Storytelling de folk irlandês traduz empatia em uma belíssima animação que critica o maniqueísmo cristão do não socialmente aceito ao centralizar o dogma do homem religioso como um dos inimigos da humanidade.
Ansiamos compreensão, projetamos no OUTRO reflexos de nossa suposta “representação identitária”, constituímos núcleos sociais que se chocam por conflito de ideais em bolhas de convívio de modo que a ruptura destas falsas convenções “tribais” insurge da nossa própria ignorância. Reforçando o exercício da empatia como caminho e salvação da humanidade, a premiadíssima animação Wolfwalkers vocaliza uma poderosa mensagem anti-segregação e levanta debates críticos ao dogma cristão que invariavelmente flerta com o darwinismo social.
Na animação, temos o choque cultural estabelecido na dinâmica de duas personagens distintas. Robyn Goodfellow é uma garotinha (europeia padrão dentro das circunstâncias) recém-chegada a uma supersticiosa Irlanda medieval que ecoa um tipo de “proto satanic panic” característico de uma sociedade fervorosamente cristã. A outra é Mebh, uma carismática criança membro de uma misteriosa tribo que tem a habilidade de se transformar em lobos. O conflito se dá pelo fato de que o pai de Robyn é um exímio caçador de feras selvagens e fora contratado pelo Rei (ortodoxamente cristão) para aniquilar a “última matilha de lobos” fora das muralhas da cidade. O antagonismo narrativo traz à tona “a ameaça” da perspectiva de um povo estruturalmente dogmatizado ao intitular a estética do “selvagem” no maniqueísmo de sua visão limitante de mundo. O estourar da bolha é a improvável amizade das duas garotinhas na busca pela mãe “astralmente” desaparecida de Mebh, no coração do reino “civilizado”.
A fábula evoca a moral da empatia e o poder sinérgico das relações sociais. O não socialmente aceito do padrão dogmático cristão é a pauta crítica do plot que levanta discussões sobre segregação e aniquilação social forçando a reflexão e reconhecimento do ser humano como espécie não hierarquizada em nossa instintiva autopreservação existencial. Por mais clichê que seja a conclusão analítica, é praticamente impossível dissociar a rima metafórica do “homo homini lúpus” de Thomas Hobbes, afinal, a potencial imagem de fera refletida ao espelho tende a ser daquele que se enxerga ignorantemente com tal.
