Clássico do mestre Urasawa acentua a discussão dos perigos do “movimento profetista” enquanto fenômeno religioso, político e social em uma trama que dualiza inocência infantil e estroinice autoconsciente através de um falso profeta.
O profetismo e a síntese do profeta nos expõem a problemática do poder discursivo que se apropria da disfuncionalidade racional para traduzir fenômenos fatuais de interpretação lógica, criando alegorias que ecoam perspectivas de crenças anuviadas em suas próprias narrativas. Dentro desse sistema fechado em si, a pseudo “iluminação” determina o falso desejo de utopia em detrimento de uma realidade social compartilhada, subjugando diferenças e criando uma esperada gênese ideológica que pode ser nociva aos antagônicos assim como na sua própria base de seguidores. O que Urasawa desenvolve em 20th Century Boys é um ensaio social que parte dessa simbiótica relação de profecia e profeta.
A obra se estabelece dicotomicamente em duas linhas narrativas (passado/presente), envolvendo a dinâmica de um grupo de amigos que na infância criaram uma espécie de clube que imaginativamente roteirizava diversos eventos apocalípticos no chamado “livro das profecias”, dando aos próprios condições de combater o fim da humanidade futuramente em brincadeiras que ansiavam o desejo de salvar o mundo. Tudo bizarramente se conecta mais de 20 anos depois, quando um suposto suicídio de um dos membros do antigo clube revela a ligação direta com a ascensão de uma seita que tem como líder a figura icônica e mascarada conhecida como “Amigo” e que, aparentemente detém a cópia do “livro das profecias” na execução de seu plano doutrinário/utópico. Caberá aos amigos agora já distantes e decadentemente adultos se reunirem novamente para sobreviverem ao roteiro que idealizaram de seus próprios destinos, salvando o mundo que juraram proteger quando pequenos. Quem será o misterioso “Amigo”?
De seu viés implicitamente ensaístico que decorre a emblemática aurora dos anos 2000, o mangá se desdobra na crítica político/social potencializada na figura de um líder extremista, que de posse do discurso narrativo caótico, potencializa eventos em prol de sua existência ideologicamente “profética”, angariando pensamentos consonantes e fortalecendo uma realidade utopicamente inverossímil. Traçada a contemporaneidade, Urasawa cria uma fábula que preceitua uma moral reflexiva a se fazer. Por aqui estaríamos prontos para tal?
