Olga Torczuck (Nobel de Literatura 2018) condensa importantes reflexões da condição “superior” do homem ao retratar a banalidade da morte animal sob o ponto de vista da invisibilidade social de uma senhora reclusa, amante da poesia de Willian Blake e entusiasta de astrologia.
O direito à vida erroneamente tende a ser uma dádiva ligada a “racionalidade” do homem perante os animais. A mitificação de tal sentença decorre de pensamentos estruturados que envolvem religião e teses auto afirmativas de nossa condição consciente. Destoar desse paradigma parece ser a projeção contrafactual que a Sra. Janina Dusheiko aplica a sua visão de mundo, onde há vislumbres de uma sintonia uniforme de vidas que independem de hierarquias sublimadas a ascendência espiritual dos homo sapiens, uma realidade com forte apelo as nossas raízes de conexão com a natureza e das consequências punitivas na sua profanação. A Sra. Dusheiko é a alma desse romance, uma protagonista diferente de tudo que já li, uma voz dissonante e poderosa que incomoda a cada crítica que ecoa de suas convicções (subjetivas ou não) que em tempo, remontam em partes um dos famosos provérbios do Inferno de Blake, o recorte poético que dá o nome título do livro.
A narrativa nos conduz a uma espécie de vilarejo Polonês, onde uma série de assassinatos a caçadores de animais legalizados da região levam a uma teoria no mínimo criativa da Sra. Dusheiko, a de que dada as circunstâncias dos crimes aliados a análises dos mapas astrais das vítimas, os animais estariam insurgindo um certo tipo de revolta e tramando contra a vida de seus algozes. Por mais determinista e fantasiosa que seja tal fundamentação, é ela que nos segura a narrativa, elevando o thriller próximo de uma fábula que explicitará alguma moral ao seu fim. A Sra. Dusheiko povoa nosso imaginário narrando essa história, com sua visão peculiar das coisas, ela desconstrói diversas questões banalizadas por tradições e costumes essencialmente humanos vide nossa hipocrisia carnívora.
Do aparente mais de meio século de vida da protagonista, a autora constrói uma voz fascinante ao tempo que critica e usufrui dessa invisibilidade social da velhice como recurso narrativo onde há alternância do aparente estorvo existencial e o descrédito argumentativo da personagem, costurando um final coerente em que o leitor é cúmplice inconsciente de seu desfecho. Mais do que uma simples leitura, o romance é uma experiência literária.
