Filme adaptado do romance de Krystal Sutherland descarta clichês ao contar uma história sobre depressão e transitoriedade do indivíduo na contínua ressignificação da sua forma idealizada.
A arte japonesa que consiste em reparar objetos quebrados (Kintsukuroi) remonta o estado imanente do ser humano no desejo da “ideia do consertar” o que lhe é aparente, logo a metáfora entre algo concreto como um vaso cerâmico e o abstrato do coração exemplificam sua corrente filosófica. Neste processo alegórico, juntar as partes quebradas evidenciará cicatrizes da estrutura remontada, imperfeita na sua própria beleza, um novo estado de existência que ressignifica a originalidade da forma, definindo a transitoriedade da aceitação entre passado e presente. Chemical Hearts, discute a beleza contraditória da imperfeição do indivíduo que, invariavelmente, é produto de sua própria auto reflexão.
Em resumo, a trama se estabelece no interesse amoroso de Henry Page por Grace Town. O comportamento taciturno de Grace, sua visível deficiência física e um poema de Pablo Neruda despertarão a curiosidade do protagonista que, por meio de contidas investidas, tentará descobrir a história por trás do impenetrável escudo da jovem. Aos poucos vamos adentrando a melancolia de Grace e, como Henry, iremos nos valer do já citado inerente “desejo de conserto”, nos guiando a querer costurar as profundas fissuras do dilacerado coração da adolescente, até nos darmos conta da obviedade de que esta é uma reconstrução reservada, um processo de aceitação e reflexão de nossa própria história.
O choque de realidades entre os personagens resulta na mensagem do existir imperfeitamente, contrapondo o desejo do EU que anseia o “conserto” estético e idealizado de felicidade, transcendendo a visão limitada e egoísta de uma vontade minimamente compartilhada e não compreendida do OUTRO. Em certa passagem do filme, existe essa alusão de compreensão no poema de Neruda, onde Henry diz ter lido apenas uma estrofe e achado lindo, fato posto em xeque mediante a réplica de Grace ao sabiamente concluir que esta é a resposta idealizada que pessoas tendem a dar sobre o que verdadeiramente não entendem.
A beleza reside na imperfeição impermanente que é antagônica a idealizada exatidão presumivelmente vazia da forma original, o Kintsukuroi: aceitação, ressignificação e contemplação das cicatrizes da vida.
