A evolução do podcast de Duncan Trussel em um difícil exercício de foco do EU transcendental no caos imagético de Pendleton Ward.
A reflexão do EU sempre foi uma constante na teosofia e nas micro validações da realidade que impomos ao nosso mundo sensorial. Se manter existente e fisicamente ciente em um micro momento de nossas vidas é quase tão difícil como explicar o sentido da própria. O caos do fluxo de pensamento e as distrações sensoriais inibem nosso estado de não-ser que, cronologicamente, existe antes e depois da nossa percepção do EU no espaço tempo. Nesta abordagem profunda da iminência do não ser, se situa a animação Midnight Gospel, que mistura e contrasta doutrinas espirituais e psicodelia visual.
Clancy, o protagonista é um apresentador de um espaçocast. Munido de um simulador de realidades (lê-se uma grande vagina), ele se aventura por diferentes mundos colapsados, e seu intuito é coletar entrevistas de indivíduos que habitam estas realidades destinadas ao fim. As entrevistas são retiradas de um podcast real de Duncan Trussel e editadas em cima da animação de Ward. Alguns gracejos adicionais gravados posteriormente dão contexto a animação e ao tema central que a série se propõe a discutir. Ao longo de 8 episódios (sendo o último uma emocionante surpresa), acompanhamos a cosmogonia particular de cada entrevistado e suas experiências da existência.
A composição destes recortes irá compor a mitologia macro da inevitável aceitação da morte (o não ser do EU transcendental). Sintetizando filosofias espirituais e até arriscando um nível de platonismo no colecionismo de pares de sapato que representam a FORMA “subtraída’ do mundo das ideias para existir no mundo sensorial de Clancy, a série gradativamente interpela nossa automatização senciente do viver na própria metalinguagem do estímulo visual da série. É um desafio acompanhar áudio e vídeo simultaneamente, o que reforça a genialidade de Ward de justificar as distrações sensoriais em detrimento da reflexão existencial.
The Midnight Gospel, por mais superficial que seja dada a limitação do formato, discute e elucida o tabu da morte como sendo o retorno inevitável da não existência. A aceitação apaziguada do fim revelará muito mais do nosso momento ciente de vida, do entendimento de fluxo e ciclo, da ficção do EU nos múltiplos universos simulados de nossa caótica mente distraída e pensante.
