O clássico de Gabriel Garcia Marquez estuda sua própria mitologia nostálgica para expressar a dor e a solidão do povo latino americano.
A solidão talvez seja mesmo a serva da tristeza, para muitos é uma graciosa companheira de vida, mas para outros, é uma espécie de fantasma da alma, ainda assim, terreno fértil, fonte inesgotável de inspiração para as artes como subproduto deste próprio sentimento, que por palavras, expressam e moldam canções, poesias e obras literárias. Gabriel Garcia Marquez é um destes artesões da escrita que melhor souberam lapidar e transcrever esse vácuo existencial, seu romance mais cultuado permanece como uma experiência a ser lida/vivida, seu olhar delicado e sincero do tema remonta suas raízes, quase como uma ode, um estudo profundo de sua eterna solidão.
O romance é uma obra prima da literatura latino-americana, nele acompanharemos as 7 gerações dos Buendía sob testemunho centenário da matriarca da família Úrsula Iguaran, que vão desde a fundação da mítica aldeia de Macondo até a revelação de um misterioso pergaminho que sempre acompanhou a família Buendía.
100 anos de solidão é uma leitura que requer atenção, a construção das personagens e suas ramificações para com as 7 gerações da família nos fazem questionar quais deles estão sob a menção do narrador. É comum e acredito que até esperado pelo autor se perder entre cada um dos Buendía, quase que flertando com a teoria do eterno retorno, onde um mundo se cria, perdura e se finda para que uma nova ordem se estabeleça a partir deste. Esse ciclo quase que infinito dita uma cronologia que remonta a humilde origem de um povoado e seus fundadores, os Buendía.
A primeira geração desta família peculiar é formada por José Arcádio Buendía e Úrsula Iguarán. O casal teve três filhos: José Arcádio, uma força da natureza, homem forte e trabalhador; Aureliano, que contrasta interiormente com o irmão mais velho, calmo e recluso em seu próprio mundo; e por fim, Amaranta, a típica dona de casa de uma família de classe média do século XIX.
A trama desdobra-se a partir desta geração e dos seus filhos, netos, bisnetos e trinetos, com a particularidade de que todas as gerações foram acompanhadas por Úrsula (que viveu entre 115 e 122 anos). Esta centenária personagem perceberá que as características físicas e psicológicas dos seus herdeiros estão associadas a um nome: todos os José Arcádio são impulsivos, extrovertidos e trabalhadores enquanto os Aurelianos são pacatos, estudiosos e até certo ponto filosóficos. Os Aurelianos terão ao longo do livro a missão de desvendar os misteriosos pergaminhos de Melquíades, o Cigano, que foi amigo de José Arcadio Buendía, o pai e fundador de Macondo.
A visão desnuda destes habitantes de Macondo, expõe o inconsciente coletivo impresso no âmago do povo latino americano, onde a inocência de aspectos até certo ponto banais, eclodem em descobertas fantásticas, em incursões imaginativas e corajosas que conduzem a ascenção e queda de um povoado. Gabo consolidou através da ficcional Macondo, um retrato real e mágico de um povo sofrido, batalhador e sobrevivente de seu tempo, que se agarra em seu próprio destino e ramifica para sempre suas origens através de mitos e parábolas que já foram mencionadas em algum momento e de forma similar por nossos avós e bisavós. A nostalgia dos contos que constituem nossa própria genealogia, exprime nossa total satisfação de se enxergar coletivamente como membro de uma família, um produto de histórias que culminaram em nossa própria existência, que por mais contraditória que seja, existe tão somente sobre a nossa visão solitária e individual de mundo.

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