Novo longa da Disney/Pixar usa a magia e acerta novamente ao abordar temas como luto e serendipidade de forma sutil, madura e real.
O lúdico da magia sempre foi o escape da arte enquanto meio catalisador de contar estórias fantásticas que na verdade nos dizem mais a respeito do nosso real. Crescemos fascinados com o background que carregamos sobre a construção de mundos derivada dos livros de Tolkien e que perpassam a expoentes contemporâneos como J.R.R. Martin, Sapkowski e Patrick Rothfuss. Todas essas estórias fantásticas sempre atribuem uma parábola para discutir sobre essências inerentes da humanidade, o novo longa da Disney/Pixar não é diferente.
Em Dois Irmãos, somos apresentados a uma família de elfos (em um universo de criaturas fantásticas como trolls, centauros e unicórnios) que vivem em uma sociedade descrente com a própria magia existente de seu mundo. Ian Lightfoot, o caçula, é um adolescente padrão, tímido e inseguro, carrega a dor fantasma de não ter conhecido o pai falecido em decorrência de uma doença quando era muito novo. Seu irmão (Barley Lightfoot) é o típico irmão mais velho, brincalhão e protetor, é grande fã de jogos de RPG e a personificação do nerd nesse universo, também sente o luto do pai do qual tem apenas algumas poucas lembranças enquanto criança. Laurel Lightfoot é mãe viúva dos adolescentes, forte e carinhosa, seguiu a vida criando os dois filhos junto de seu atual parceiro, o policial centauro Colt Bronco.
A trama se desenvolve a partir do aniversário de Ian, onde a mãe o presenteia com um cajado aparentemente mágico fabricado pelo próprio pai dos adolescentes em meio a uma promessa de entrega a ambos depois do que ela acreditava ser o amadurecimento de seus filhos. O cajado contém instruções para a elaboração de uma magia que irá reaver a presença do pai por apenas 1 dia mediante a um feitiço com uma gema Fênix contida no presente. Barley logo toma a iniciativa por ser entusiasta do movimento “renascentista” da magia em seu mundo, pois segundo ele todos os seus jogos de RPG foram criados a partir de fatos verdadeiros, porém falha ao executar o feitiço depois de inúmeras tentativas que levam a família a acreditar que o presente seria apenas simbólico. Em meio a descrença, ao fim do dia, Ian recita o cântico mágico de forma descompromissada e para sua surpresa e de seu irmão, a magia se inicia ao resgatar parte do pai (da cintura para baixo) pois gema fora consumida integralmente antes do fim da magia. Logo temos a dinâmica de relação dos filhos e a metade de baixo do pai, que sairão em busca da magia esquecida de seu mundo na van recondicionada e cheia de personalidade de Barley chamada Guinevere, nesse último adeus a forma completa de Wilden Lighfoot (o pai falecido).
Na introdução, é louvável o esmero na construção do luto da família ante a esperança de reencontro com o ente falecido, sentimos na pele de Ian o desejo de encontrar em sua vida propósito de identificação com o pai do qual não conhece. A cena do diálogo com uma fita cassete gravada a partir da voz de seu pai é aderente com qualquer tipo de ausência que emprega a saudade como catalisador de uma dor fantasma que sempre tende a assolar nossos corações. Diante disso, vamos percebendo que o filme é constituído de inúmeros espelhos de situações que vivemos em nossos mundos diariamente. Esses espelhos são jogados e refletidos durante toda a animação como forma de nos identificarmos com as personagens. A antropomorfização serve apenas para consolidar que o espelho que reflete a nós mesmos como pessoa já é conhecido, sabemos de nossa imagem, medos, angústias, forças e qualidades, mas enxergar todos os dilemas do longa sob a ótica de uma família de elfos, é meio que como olhar para dentro de si com um pouco mais de carinho e amor, quase como um exercício de empatia consigo mesmo.
Depois de termos nos identificado com as personagens, entendemos que Ian será nossos olhos na trama, ele vai nos conduzindo em meio a esse mundo fantástico e aos poucos vamos sendo apresentados ao seu recente dom de mago juntamente com as magias que Barley conhece de seus jogos de RPG e ainda as regras funcionais da jornada que ambos terão de percorrer para alcançar o objetivo de reencontro com pai. O recurso da regressiva de tempo para conclusão do feitiço, funciona como urgência permeada da angústia de ambos fracassarem nessa janela única que a magia da ressureição temporária proporciona. Os percalços nesse caminho costuram as inseguranças de Ian que vão desde o medo de dirigir até a relação de proximidade e descoberta do irmão mais velho. Os elementos aparentemente aleatórios em alguns takes cumprem com louvor aos propósitos que os criadores idealizaram em algumas cenas, e dosam na medida certa humor e emoção, como por exemplo o destino da van de Barley, a sensacional Guinevere.
Sobre o tom da animação, já é tradicionalmente certo que os filmes do estúdio irão lhe arrancar gargalhadas sinceras ao mesmo tempo em que acalentam sua alma, é inegável a assertividade do diretor (Dan Scalon) que busca esse contraste ao abordar temas tão sensíveis como o luto. O humor e a ação, são fatores determinantes para que o filme não beire a um drama convencional, existe uma camada melancólica quase invisível que somente se acentua ao fim do longa, onde o choque de sentimentos propositalmente calculados na construção da trama, implodem no seu peito como uma bomba que ressignifica a nossa percepção e a de Ian Lightfoot a respeito da relação com o próprio irmão. Essa serendipidade não chega a ser um plot twist, até certo ponto esperamos e concluímos o que o diretor quis nos dizer antes mesmo de nos contar, porém, a forma e o momento ao qual é dito, é certeiro, te pega de guarda baixa e bem logo depois de educadamente lhe tirarem seu escudo de durão(ona).
De forma geral, o longa respeita o jeito Disney/Pixar de contar estórias, sempre gosto de pensar que são filmes que possuem uma camada de identificação visível ao público infantil, e outra como uma espécie de marca d’água do qual o público mais velho tem acesso, não que ambas audiências consumam a mensagem destinadas diretamente a elas nessa ordem, mas é evidente o esforço do estúdio em satisfazer todas as faixas etárias e sempre conseguir agradar público e crítica. Talvez essa seja a magia do filme, essa metalinguagem aplicada ao próprio elemento do longa. A síntese de magia em qualquer explicação que lhe for dada, lhe caberá em uma frase do tipo “é a arte de modificar a sua realidade”, logo trace paralelos com sua vida, enxergue as camadas de informações ao qual está sendo exposto, se deixe emocionar, brinde a vida nas relações com seus familiares e o mais importante, a quem tem, de grande abraço no seu irmão (ã), talvez ele (a) seja muito, mas muito mais do que você imagina.
