Sob o Solo | Palitinhos em apuros na nova HQ de Bianca Pinheiro e Greg Stella

O “ser ou não ser” no subterrâneo de nossas realidades existenciais em Sob o Solo, nova graphic novel da Editora Pipoca & Nanquim.

Obras que remetem ao isolamento despertam o fascínio sobre a condição humana de se estabelecer no seu mais instintivo modus operandi, existir. A solidão decorrente desse isolamento então passa a ser o mecanismo que desencadeia a dinâmica de monólogos existencialistas, metafóricos e porque não fictícios que ficam potencialmente abaixo do verniz social que diariamente pincelamos em nossas relações com o outro.

Em Sob o Solo (do selo original Pipoca & Nanquim), Bianca Pinheiro e Greg Stella propõem um debate sobre o confinamento e a noção em que “o EU” está inserido. A representação gráfica minimalista contrasta magistralmente aos questionamentos e não pense se tratar de apenas figuração estética, todas consciências objetificadas visualmente, carregam noções complexas de existência e poder de inferência as realidades de cada bonequinho de palito.

Neste cenário, basicamente temos 2 soldados sem nome em formato de palitinhos que buscam refúgio em uma espécie de bunker após um “suposto ataque ao front 34 com um armamento não identificado”. O plot se desenvolve na relação de comunicação que ambos constroem logo na primeira das 3 aparentes partes seccionadas da obra.

A primeira parte, nos dita a noção claustrofóbica das 4 paredes e o quanto ela é genial quando aplicada nos quadrinhos, pois sentimos a opressão do espaço e do vazio da arte minimalista que vai se acentuando conforme a disposição dos quadros em cada página. Com o tempo, vamos topando gradualmente a elementos que que vão surgindo, como um rádio “quebrado” que impossibilita a comunicação com o mundo exterior, um pequeno rato que teima em circundar as personagens e até mesmo o cheiro proveniente do ferimento de um dos soldados. Diante dos medos e arrependimentos derivados da ameaça de morte que o contexto de “guerra” os expõe, os diálogos entre os 2 vão ganhando destaque. Em certo momento se questiona o lado certo do conflito, assim como o porque da sobrevivência.

No meio disso tudo … dessa imundície toda … você acha que estamos do lado certo?

Estamos tentando sobreviver, porque se nós morrermos, morre a companhia! Morrem as memórias do que aconteceu aqui!

Apresentando densos monólogos existencialistas após um evento chave do quadrinho, a estória emprega em sua segunda parte, uma camada mais profunda e sombria que não necessariamente se conecta de forma tão natural a primeira, porém tem um potente impacto na narrativa. A iminência de um resgate dos soldados do bunker, projeta um messias na figura do General, que faz do rádio quebrado, a função de uma prece ao salvador, um tipo de fé desconectada com a realidade, e nesse ponto a psique de um dos soldados cria meios de moldar sua própria realidade, o que faz sentido do ponto de vista do confinamento, pois em nenhum momento sentimos a percepção de passagem de tempo, de modo que não sabemos quanto tempo ali ambos estão aprisionados.

Nessa parte, descobrimos também que existiu um surto aparentemente psicológico/mental em algum momento do passado. Menciona-se um sanatório fantasma desativado do qual um dos soldados relata em suas lembranças de infância. Ele nos municia de informações não tão claras, mas que podem ser peças de um quebra cabeças incompleto quando descreve que, a degradação das pessoas naquele sanatório, as fizeram ser vistas não mais como “gente” e sim como “outra coisa qualquer”.

As pessoas da cidade as vezes passavam por lá cobrindo a boca com um pano úmido, e jogavam por cima do portão trancado um saco de comida que estourava no chão … Os doentes se arrastavam para fora, tentando se proteger da luz do sol, e juntavam a comida do chão com as mãos … O que quero dizer é que o mundo não trata bem quem está doente”.

Na terceira e última parte do quadrinho, a conclusão em aberto somente contribui para que teorias possam vir a ser concebidas, algo bem semelhante a outra obra do casal (Eles estão por Aí da Editora Todavia e que em breve terá um crítica por aqui), no qual o flerte com a ambiguidade do final resulta em uma catarse que pode sim ser uma interrogação, mas que carrega uma simbologia sútil a experiência pós leitura. A possibilidade da reflexão solitária passa a ser um meio de autoconhecimento e aceitação de si mesmo. Os medos e angústias não deixam de nos assolar, mas entendemos suas origens para olharmos diretamente através das sombras claustrofóbicas de nossos próprios bunkers em busca de uma redenção, da luz do mundo exterior, de uma aceitação do EU que está impresso aos olhos da sociedade.

A alusão que tenta se capturar em meio aos mistérios que a trama sabiamente não revela, nos abrem múltiplas interpretações sobre o mundo além do bunker e seria muito válido o leitor não se ater a ideias óbvias, pois para nós o mais importante foi lembrar que uma presa sempre tende a sobreviver fugindo de seu predador e um pequeno animal talvez seja nosso próprio algoz junto de sua foice aguardando um mínimo de entrega para ceifar nossa própria existência.

Enxergue-se e se aceite em meio a sua simplicidade existente

Avaliação: 4 de 5.

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